sábado, 8 de junho de 2024

Shiva não é apenas um deus, Ele é o Deus Supremo

 


Shiva é uma divindade consagrada do Hinduísmo e de outras linhas de espiritualidade e religiosidade no ethos da Nova Era[i]. Alguns dos seus devotos o percebem como o Deus Supremo, sendo a esta maneira de compreendê-lo que o presente artigo se refere. Portanto, Shiva é aqui tratado em uma perspectiva religiosa. Nesse sentido, é importante notar que, para os Shaivas monistas (na tradição advaita), “quem reverencia, o objeto reverenciado e a reverência são absolutamente a mesma coisa – Shiva[ii]”. Mas, para os Shaivas dualistas (na tradição dvaita), Deus, a alma e o mundo são eternamente separados[iii]. Tem-se aqui duas maneiras de compreendê-lo.

Há, no entanto, uma terceira compreensão, a do shaivismo da tradição vishistadvaita, segundo a qual, Shiva é imanente no universo e, ao mesmo tempo, transcendente a ele. Shiva não nasce como um mortal, mas aparece em forma visível sempre que é adorado pelos devotos. A verdadeira natureza da alma (jiva) é estar em união com Shiva, mas, mesmo em estado liberado a alma é diferente de Deus. Porém, ela compartilha da natureza de Shiva, sendo semelhante a Ele. No entanto, tal relação não significa não-diferença, significa não separação[iv].

Dentro de tal relação entre diferentes é que se desenvolve uma vida em comum com Shiva. Para exemplificar, me refiro à madhurya (doçura conjugal), um estado de união com Deus que mais comumente vem sendo associado à relação pessoal com Krishna. Só que na concepção da Pessoa Suprema a que estou me referindo, Krishna Shiva confluem em Harihara, embora existam muitos devotos no mundo que prefiram adorar apenas um dos dois como sua divindade maior.

A confluência de Vishnu (Krishna) e Shankara, a que me refiro, aparece em um templo de Karnataka, Índia – Sri Sankaranarayana Temple[v]. De dentro dela, percebo que "Deus se manifesta na forma de uma Pessoa Suprema, a qual se chama Krishna, e tem muitos nomes. É possível compreendê-lo, percebê-lo ou vê-lo em alguma outra forma (como Harihara), ou através de algum outro nome (como Shiva), mas, Ele é sempre o mesmo [vi]”. Sendo assim, "o Senhor Shiva é o Absoluto Senhor e sua Luz nos ilumi­na sempre, bastando olhar para ela com atenção e vê-la, para que a vida se traduza, de modo a esclarecer a mente e o coração de quem olha e vê[vii]”.



Notas:

[i] O ethos da Nova Era é um conjunto de crenças e práticas que têm por finalidade a busca por elevação espiritual, sem associação a algum tipo de pertencimento religioso, dentre as quais, algumas já se tornaram aceitas pela sociedade em geral (GUERRIERO et al., 2020).

[ii] Andrade (2012, p. 269) assim o descreve: Shiva é o grande e o único “ator/agente”. Infinita fonte criativa de realidade, Shiva, ens realissimo – se revela incapaz de conter em si a criação da realidade; como Kali Ma, ele vomita a realidade: esse jorro de atividade criativa é comparado ao de um artista que cria por pura necessidade, sendo impossível não o fazer. Esse ato seminal criativo é visto como um transbordar, uma superabundância de ser, uma felicidade intoxicante, uma alegria infinita. Essa sua “alegria” (amoda) manifesta-se como “brincadeira” (krida), “jogo, passatempo”, principalmente em suas cinco principais atividades, já mencionadas, uma das quais consiste exatamente em seu próprio “esquecimento-de-si”, sua alienação, escondendo-se, ocultando-se (vilaya) em sua própria criação – a bem dizer escondendo-se no próprio enredo das coisas, para que seja possível criar as condições de possibilidade da jornada dos adeptos em busca de Shiva que, como em verdade o/a buscador/a descobre no final da jornada, é a sua própria natureza mais recôndita (anugraha,“re-velação”). Shiva, portanto, “se dissolve” (klpta), “arranja-se, dispõe-se” como o Todo, como a realidade, escondendo-se no e se revelando como o real.

[iii] Explicação de Bodhinatha Veylanswami (2016), disponível em: https://www.himalayanacademy.com/view/bd_2016-12-16_path-to-siva_lesson-9_commentary. Acessado a 9 out, 2021.

[iv] Assim é a compreensão de Shiva na linha de Tirumular da escola Saiva Siddhanta, que é chamada Shuddha Saiva Siddhanta. As informações foram obtidas de Mahadevan (1953).

[v] O templo fica localizado no vilarejo de Shankaranarayana, no Distrito de Udupi, Karnataka, a 25 Km do Mar Arábico. Mais informações podem ser encontradas em http://shankaranarayana.org/.

[vi] Trecho do livro de minha autoria, no qual transcrevo alguns raciocínios que vêm do pensamento do próprio Shri Krishna. A obra é intitulada Religião Bhagavata da Nova Era, Sétimo Raio, 2014.

[vii] O livro é Shiva Tantra para Libertação Espiritual – o Tantra da Pessoa de Deus (Bhagavan), Editora Sétimo Raio, 2017. Nesse livro, transcrevo sete diálogos que Shiva estabeleceu comigo.

 

Referências

ANDRADE, C. B. O monismo Shivaíta da Caxemira e sua inserção no debate filosófico Indiano. Numen: Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, v. 14, n. 2, p. 261-280, 2012.

GUERRIERO, S.; LEITE, A. L. P.; BEIN, C.; MENDIA, F.; STERN, F. L.; MARTINS, L. Concepções de saúde, cura e doença no ethos Nova Era: um estudo piloto entre Terapeutas Holísticos de São Paulo e Florianópolis. Caminhos, v. 18, n. 1, p. 106-119, 2020.

MAHADEVAN, T. M. P. The idea of God in Saiva Siddhanta. Disponível em: https://shaivam.org/articles/the-idea-of-god-in-saiva-siddhanta. Acessado em 9 out, 2021.

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